Como especialistas em arqueologia, muitas vezes enfrentamos o desafio de traduzir a nossa complexa investigação para uma linguagem que seja envolvente, acessível e clara, junto de audiências não-especializadas. Para muitos de nós, a tentação de utilizar jargão e termos técnicos é forte e impulsionada pelo desejo de manter o rigor científico. E fazemo-lo muitas vezes a pensar na opinião dos nossos pares e não tanto no nosso público-alvo. É aquela voz a sussurrar – «o que é que os meus colegas vão achar disto?». No entanto, quando priorizamos a opinião dos nossos pares em vez das necessidades do nosso público, corremos o risco de alienar as pessoas que pretendemos envolver.
Isto é muito comum e eu debato-me com isso muitas vezes. Hesito e sinto-me, por vezes, num grande dilema. Mas é possível ultrapassar esta dificuldade ou minimizá-la o mais possível.
Vou, por isso, tentar explorar a dificuldade de evitar o jargão, porque é que isso acontece, e oferecer algumas dicas práticas para equilibrar clareza, acessibilidade e rigor. Par tal é necessário desconstruir o mito de que “simplicidade” significa “falta de rigor científico”, e ter alguns recursos para ganhar confiança na comunicação de uma forma cativante.
Na hora de comunicar receamos o “simplificar em demasia” a linguagem. Tememos que ao tornar os termos mais acessíveis, possamos ser vistos pelos nossos colegas como faltando ao rigor científico. Esta é uma preocupação natural – afinal, fomos sobretudo treinados para comunicar dentro da nossa comunidade científica e profissional. Contudo, o rigor não tem de ser complicado. Quando falamos com o público-alvo que escolhemos e que está fora da academia e da profissão, o objetivo não é impressionar ou agradar aos colegas, mas sim partilhar conhecimento com as pessoas a quem nos dirigimos.
Acontece que muitas vezes esquecemos quem é o público. É importante diferenciar a comunicação dirigida aos nossos pares daquela destinada a audiências mais vastas, que na maior parte das vezes não têm conhecimentos prévios de Arqueologia. Na verdade, conhecer o público-alvo, as suas características e interesses, é fundamental para aumentar a eficácia da nossa comunicação. A questão-chave é: Quem é que queremos alcançar? E se o nosso objetivo é partilhar conhecimento e tornar a arqueologia relevante para esse público, então é necessário comunicar de uma forma que eles entendam e valorizem.
Aqui estão algumas sugestões para enfrentar este dilema:
1. Identifique claramente a sua audiência.
Antes de começar a comunicar, perguntem-se: Quem é o meu público? Qual a sua faixa etária, nível de escolaridade, geografia, etc. Quanto maior for o detalhe do nosso conhecimento sobre as pessoas que queremos alcançar, mais fácil será ajustar a linguagem. Importante: As audiências não-especializadas não precisam (nem querem) saber todos os detalhes técnicos –estão interessadas na história que temos para contar, no impacto dela nas suas vidas e no significado das grandes ideias.
2. Encontre substitutos para os termos técnicos.
Cada campo, tema ou especialidade em arqueologia tem o seu próprio jargão, mas quase todos os termos técnicos têm uma alternativa mais simples. Hoje em dia temos inúmeras ferramentas que podem ajudar. Seja o Chatgpt ou a Perplexity.ai. Mas cuidado, estas ferramentas por vezes deliram e dão informação errada, por isso uma verificação cuidadosa é indispensável. Tentem fazer exercícios de substituição de termos técnicos e certifiquem-se de que a vossa linguagem é simples, mas fiel ao rigor científico.
Vejamos alguns exemplos:
- Estratigrafia: camadas de solo e artefactos que se acumulam ao longo do tempo.
- Análise osteológica: o estudo de ossos antigos.
- Deriva genética: Mudanças aleatórias na frequência de certas características numa população ao longo do tempo.
- ADN mitocondrial (mtDNA) : ADN transmitido da mãe para os filhos e que nos ajuda a rastrear os nossos antepassados antigos.
- Haplogrupos: Grupos familiares de pessoas que partilham o mesmo antepassado antigo, identificados através do seu ADN.
- Sequenciação de ADN antigo: Ler o código genético de ossos muito antigos para compreender a biologia de pessoas ou animais do passado.
- Cronoestratigrafia: O estudo de como as camadas de terra ou rocha se formaram ao longo do tempo, para compreender quando ocorreram certos eventos.
- Paleossolos: Solos antigos que estiveram à superfície e que nos mostram como era o ambiente há muito tempo.
- Depósitos aluviais: Camadas de areia, silte e argila deixadas por rios ou inundações que nos ajudam a entender as paisagens do passado.
- Loess: Solo fino e poeirento transportado pelo vento e depositado em grandes áreas de planície, muitas vezes cobrindo sítios arqueológicos.
- Volume endocraniano: O tamanho do espaço do cérebro dentro do crânio.
- Crista sagital: Uma crista óssea no topo do crânio de alguns animais, onde se fixam os músculos fortes da mandíbula.
- Esqueleto pós-craniano: Todos os ossos do corpo, excepto o crânio.
- Bipedalismo: Andar sobre duas pernas.
- Datação por radiocarbono: Um método para determinar a idade de materiais orgânicos, medindo a quantidade de carbono-14, um elemento radioactivo que diminui ao longo do tempo.
- Datação por termoluminescência: Uma técnica para descobrir quando algo, como cerâmica, pedra queimada ou sedimento, foi aquecido ou exposto à luz solar pela última vez, medindo a luz que emite.
- Ressonância de spin electrónico (ESR): Um método de datação que usa eletrões presos no esmalte dos dentes ou nas conchas para determinar a sua idade.
- Datação por séries de urânio: Um método que mede como o urânio em ossos ou em partes das grutas, se desintegra ao longo do tempo para saber a sua idade.
- Palinologia: O estudo de pólen antigo que nos ajuda a identificar a vegetação que existia no passado.
- Zooarqueologia: O estudo de ossos de animais encontrados em sítios arqueológicos.
Ao simplificar estes termos, as pessoas vão achar mais fácil compreender a vossa investigação, e vocês não sentem que estão a perder rigor. Isto é especialmente importante para ajudar a construir uma ponte entre a especialização técnica e científica e o envolvimento do público.
3. Utilize metáforas e analogias.
Comparações ajudam as pessoas a entender ideias complexas. Comunicar com metáforas e analogias torna as nossas mensagens relacionáveis. Há um nível de racionalidade de que não abdicamos, afinal estamos a comunicar ciência, mas não podemos descurar a emoção. É pela emoção das nossas histórias que agarramos a atenção. É assim com toda a gente. Por exemplo, se estamos a comunicar com crianças, explicar a estratigrafia como semelhante a um “bolo com camadas” ajuda a visualizar como o solo se acumula ao longo do tempo e como os arqueólogos “cortam” através dessas camadas «do bolo» para compreender o passado.
4. Foque-se no ‘porquê’ e em ‘qual o impacto’.
As pessoas podem não se lembrar dos termos técnicos, mas vão lembrar-se de porque é que a investigação em arqueologia importa. Tragam sempre o vosso público de volta a esta ideia importante – como é que a vossa investigação impacta o mundo? O que nos diz sobre a história, a cultura, a sociedade, os territórios, ou a identidade? Podia continuar, já que a arqueologia impacta muitas áreas da vida atual. É precisamente por isso que o mote da minha marca é: Desvendar o passado. Pensar o futuro. Acredito mesmo nisso.
5. Converse com o público.
Imagine que está a explicar o seu trabalho a um amigo curioso à mesa do café. Use um tom que seja amigável e acessível, evitando frases demasiado formais ou académicas. Isto ajuda a construir confiança e mantém a audiência envolvida. Escolher o tom da comunicação é muito importante.
6. Não tenha medo de ser mal interpretado pelos pares.
Como já referi, um dos principais obstáculos que enfrentamos quando comunicamos é o medo de sermos julgados pelos nossos colegas. Lembrem-se de que simplificar a linguagem não significa tornar a ciência simplória. Podem ser rigorosos e acessíveis ao mesmo tempo! Pensem nisto como o desenvolvimento de uma nova competência – comunicar o vosso conhecimento, resultados e descobertas de uma forma entusiasmante e que chegue a pessoas para além do vosso círculo académico. Esqueçam os pares por alguns momentos, mas também não os ignorem no processo.
7. Teste o conteúdo com especialistas e não-especialistas.
Antes de publicarem ou apresentarem oralmente, experimentem explicar, treinar ou dar a ler o vosso conteúdo a um amigo ou familiar que não esteja na área da arqueologia. Se eles entenderem e acharem interessante, estão no bom caminho! Mas façam o mesmo com colegas de profissão, porque há sempre a possibilidade de termos erros e também porque nos podem dar boas sugestões para melhorarmos o nosso conteúdo.
Vamos ver um exemplo de como uma descrição pode ficar mais simples:
Antes:
“A nossa escavação revelou uma sequência estratigráfica complexa, que incluiu um nível distinto do Paleolítico, caracterizado por uma variada indústria lítica e importantes restos faunísticos.”
Depois:
“Durante a nossa escavação, descobrimos diferentes camadas de solo que se acumularam ao longo de milhares de anos. Uma dessas camadas remonta ao Paleolítico, época de caçadores-recolectores, e continha ferramentas de pedra e ossos de animais que nos ajudam a compreender como estes nossos antepassados viviam.”
A informação essencial é mantida, mas a segunda versão é mais simples e apelativa para uma audiência sem conhecimentos aprofundados de arqueologia.
Última e importante dica:
Pratique muito, teste diferentes formas e não tenha medo ou vergonha de comunicar para fora da nossa bolha porque fazê-lo é um grande serviço que se presta à disciplina.
Para isso tentem mudar o foco daquilo que os colegas possam pensar para aquilo que o seu público pode aprender com a vossa investigação. É assim que se abre a porta do passado a toda a gente, que se constroem conversas mais significativas e se alcança uma maior apreciação pública pela arqueologia e pelo nosso trabalho.